À
medida que a expectativa de vida aumenta e a taxa de natalidade cai, as
populações cada vez mais velhas colocam em cheque noções e políticas sociais.
Essa conversa sobre o envelhecimento foi realizada em Londres em parceria com a
curadora de palestras 5X15. O moderador foi Serge Schmemann, antigo responsável
pelos editoriais do International Herald Tribune.
Os
participantes são Sarah Harper, gerontóloga britânica e fundadora do Instituto
do Envelhecimento Populacional da Universidade de Oxford; Babatunde Osotimehin,
médico, ex-ministro da saúde da Nigéria e diretor executivo do UNFPA, o Fundo
de População das Nações Unidas e Ruby Wax, comediante, escritora e
apresentadora de TV nascida nos EUA, vive em Londres e faz campanhas pela saúde
mental.
Serge
Schmemann: A proporção de jovens e
idosos está mudando rápida e dramaticamente. A razão é simples, ao menos no
mundo desenvolvido: temos cada vez menos filhos e vivemos cada vez mais. As
estatísticas são surpreendentes. Na Roma antiga, sobreviver à infância era um
grande feito; atualmente, duas pessoas comemoram 60 anos de idade a cada
segundo. A maior parte de nós, especialmente as mulheres, irá viver até os 80
anos e alguns chegarão aos 100. Essa
longevidade é uma conquista considerável do desenvolvimento e dos tratamentos
de saúde.
Porém,
ela também representa uma série de desafios; à medida que aumenta a proporção
de adultos, quem tomará conta deles quando chegarem à velhice? Quem irá pagar
as aposentadorias e as contas do médico? Em suma, viver mais é uma benção ou
uma maldição? Dr. Osotimehin, sua agência acompanha as tendências populacionais
de todo o planeta. Pode nos dar uma
ideia do que está acontecendo à medida que as populações envelhecem?
Babatunde
Osotimehin: O envelhecimento é inevitável e o mundo todo está ficando mais velho.
Esse é um fenômeno global, que não afeta só o norte ou o sul. Infelizmente, a
consciência dos governos em relação ao envelhecimento varia de lugar para
lugar. Enquanto que o Japão, que tem a população mais velha do mundo, reconhece
o envelhecimento e criou sistemas para garantir que os mais velhos recebam o
cuidado necessário, existem muitos países no mundo, especialmente no mundo em
desenvolvimento, onde a consciência ainda não está tão avançada. No ano 2050,
dois bilhões de pessoas no mundo terão mais de 60 anos e diversos países terão
menos crianças com menos de 5 anos, que pessoas com mais de 65. O mundo não
pode ver isso como um desafio, ou como um problema, mas como uma parte do
desenvolvimento: como nós, enquanto comunidade global, podemos lidar com a
questão do envelhecimento?
É
importante que comecemos a mudar a forma como nos relacionamos com os cidadãos
mais velhos. Descobrimos que as pessoas mais velhas ainda possuem habilidades
que podem ser usadas no mercado de trabalho ou em suas comunidades. Precisamos
repensar a noção de aposentadoria e também a de emprego. É preciso refletir
sobre o desenvolvimento para os cidadãos mais velhos. É claro que não poderemos
fugir do fato de que todas as economias precisam de um grande número de jovens.
Não importa o quão habilidoso você seja aos 64, ou 68 anos; existem algumas
coisas que não consegue mais fazer e os jovens são importantes para isso.
Atualmente,
o equilíbrio está mudando drasticamente ao redor do planeta. Algumas economias
no norte da Europa e na Ásia tentam lidar com a falta de jovens, introduzindo
programas para encorajar a fertilidade. Ao mesmo tempo, em muitos países em
desenvolvimento na África e na Ásia – em especial no sudeste asiático –, 70% da
população têm menos de 30 anos. Os dois
países mais populosos do mundo, a China e a Índia, estão envelhecendo mais
rápido do que a Europa e o restante da Ásia. Isso se complica ainda mais em
função da migração rápida dos campos para a cidade. Por isso, esses países
precisam estabelecer as formas de proteção social de que essas pessoas
precisam.
Porém,
em todo o planeta as populações estão vivendo mais. Precisamos garantir que
todos estejam socialmente protegidos, que todos tenham acesso à saúde, à
moradia e ao transporte. Essas pessoas precisam ser capazes de desenvolver suas
habilidades e precisam ter acesso a oportunidades econômicas, pois estarão
conosco por muito tempo
Schmemann:
Dra. Harper, muita gente teme que, com o envelhecimento da população, estejamos
caminhando em direção ao colapso da família, dos sistemas de saúde e até mesmo
de economias. Esse medo tem fundamento?
Sarah
Harper: Existem muitos mitos por aí. Olhando em perspectiva, já sabíamos há
muito tempo que isso iria acontecer. Tudo começou na Inglaterra há cerca de 250
anos. Isso se chama transição demográfica e é a substituição de populações
predominantemente jovens, por sociedades predominantemente idosas. Demorou 150
anos para que a Europa passasse por essa transição, mas, no Hemisfério Sul, os
países passarão por essa transição em apenas 25 anos.
Contudo,
os demógrafos não foram capazes de prever duas coisas que tornam o contexto um
pouco mais complicado do que se previa. Em primeiro lugar, ninguém se deu conta
de como as taxas de natalidade caíram rapidamente. E isso não se limita à
Europa: os países com a taxa de natalidade mais baixa atualmente ficam na Ásia.
Em Hong Kong o total é de menos de uma criança por mulher. Na Coreia do Sul,
Cingapura, nas áreas urbanas da Índia e da Malásia a natalidade é muito
inferior aos níveis de reposição, que giram em torno de duas crianças por
mulher. Portanto, as taxas de natalidade de dois terços dos países do mundo
estão abaixo do nível de reposição.
De
certa forma, isso é bom, já que significa que as previsões iniciais de que a
população mundial poderia chegar a 24 bilhões de pessoas caíram atualmente para
10 ou 11 bilhões. Isso é melhor para o planeta, mas também significa que a
fertilidade está diminuindo tão rapidamente que já está causando um enorme
efeito paralelo. É a queda na fertilidade que ameaça nossas economias. Essa
previsão se baseia na noção econômica de que produzimos, consumimos, poupamos e
impulsionamos a economia quando somos jovens; e que, à medida que ficamos mais
velhos, nos tornamos menos produtivos e passamos a consumir nossas poupanças.
Portanto, o equilíbrio entre os grupos etários de determinada população gera um
impacto enorme sobre a economia.
O
outra coisa importante que não previmos foi ou aumento dramático da
longevidade. Basicamente, estamos deixando a morte para depois – em 1859,
metade da população inglesa morria antes de chegar aos 45 anos. Agora, metade
da população ainda está viva aos 85 e não precisamos fazer muito para concluir
que, em breve, metade da população estará viva aos 100. De fato, se observarmos
o crescimento no número de pessoas centenárias ou supercentenárias, estaremos falando
em expectativas de vida de 103, 104, ou 105 anos. Minha filha nasceu em 1996 e
tem boas chances de ver no século 22.
O
isso fará com as sociedades? Há quatro coisas importantes para observar. A
primeira é o conceito de sucessão geracional: a ideia de que transferimos
posses, poder, riqueza e status de uma geração para outra de forma regular. O
que acontece quando você não recebe uma herança dos seus pais ou avós até
chegar aos 80 anos de idade?
A
segunda é o que acontece com o mercado de trabalho? Passaremos um período curto
nos educando, um período curto trabalhando e várias décadas aposentados?
Acredito que nossas trajetórias irão mudar completamente e que isso causará
impactos sobre o mercado de trabalho, mas nós não nos preparamos para isso.
Meu
pai se aposentou aos 54 anos. Agora ele tem 84 anos e passou mais tempo
aposentado do que recebendo salário e tem muito orgulho disso. É impossível que
eu, minhas irmãs, qualquer pessoa da minha família e muitos de vocês: a) tenham
esse tipo de aposentadoria e; b) sejam capazes de se aposentar aos 54.
A
terceira coisa é o contrato geracional. Na maioria das sociedades, nós temos um
contrato entre as gerações que afirma basicamente que você cuida dos filhos
quando são pequenos, para que eles cuidem de você quando chegar à velhice.
Agora precisamos nos perguntar se as famílias que têm menos filhos e vivem mais
deveriam assumir mais responsabilidades em relação às próprias vidas no futuro.
A
quarta é o sistema de saúde. Estamos realmente deixando a morte para depois,
mas em algum momento vamos chegar lá. Portanto, iniciativas de saúde pública
que nos mantenham saudáveis a vida toda serão absolutamente essenciais.
Acredito que as sociedades irão se adaptar e não creio que as economias irão à
falência, mas é possível que nossas sociedades se tornem ainda mais desiguais.
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